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24 abril 2012

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Autismo: um filho, um sonho, uma luta

Silvia, mãe de um menino de sete anos, conta as venturas e desventuras de criar uma criança linda, porém um pouco diferente.
O início e a descoberta


Em 2003 realizei o sonho de grande parte das mulheres, tive um filho. Otávio nasceu em outubro, eu com 26 anos e cheia de expectativas para com minha nova rotina. Imaginava dias vagarosos, tomando chimarrão com minha mãe, passeando no sol com meu filhote, curtindo esta fase anunciada como mágica... Mas Otávio era inquieto. Nasceu lindo, logo ficou bem gordinho e sem nenhuma constatação de doença. Queria sempre ser balançado, fosse no colo ou no carrinho. Era impossível sentar no sofá em casa ou em um banco na praça, pois ele chorava, queria movimento.

O tempo foi passando e notamos que ele não fazia algumas coisas comuns às crianças de sua idade: não se interessava por outras crianças, não brincava com carrinhos e bola, era muito agitado, não atendia quando chamado pelo seu nome e apresentava atraso de linguagem, assim como não apontava para o que queria.

Assim, quando Otávio tinha dois anos e meio, meu marido, que é médico, constatou o diagnóstico: autismo. Naquele dia choramos muito e vi meu sonho ruir. Meu lindo menino, tão perfeito fisicamente, estaria fadado a isolar-se em seu mundinho, sem compartilhar as alegrias e tristezas que a vida nos oferece. Passado o tormento da noite, fui à manhã seguinte procurar uma escola infantil, para que ele pudesse conviver com outras crianças de sua idade, auxiliando-o na busca de novas aquisições sociais e cognitivas.

Os progressos e dificuldades

Hoje Otávio tem sete anos. É alegre, carinhoso e companheiro, adora passear, tem paladar exigente, adora comida árabe, assiste à televisão ao meu lado e possui uma agenda cheia. Frequenta uma escola regular e pratica ginástica olímpica e natação. Qual a diferença dele para as demais crianças?

Otávio ainda não fala frases compreensíveis, emite muitos sons, sílabas e dissílabos, às vezes algumas palavras. Acena afirmativamente ou negativamente em algumas ocasiões, quando questionado se quer ou não algo. Precisa de auxílio para as atividades diárias como escovar os dentes, escolher a roupa, se vestir, tomar banho, ir ao banheiro e se alimentar. Já está acompanhando os trabalhos em sala de aula, permanecendo sentado em grupo por bons períodos. Adora a escola, as professoras e seus colegas, expressando o que sente à sua maneira. É extremamente afetivo e seduz a todos com seu jeitinho único. Conquista as pessoas quase sempre de imediato, com seu rosto lindo, sorriso inocente e o afeto que transborda em suas atitudes.

Otávio reconhece a diferença entre ele e as demais crianças, o que às vezes o deixa nervoso, exibindo estereotipias motoras e recusando-se a cumprir as atividades propostas. Somente há pouco tempo executa tarefas gráficas, mas com auxílio e em ambientes estruturados. Não aceita fazer o tema em casa e não gosta que apresentem seus trabalhos para mim e meu marido, muito menos que discutam sua história na sua presença: evoluções e limitações.

Especial, eu?

Meu filho é uma caixinha de surpresas, que desperta sentimentos ambíguos em mim: frustração e admiração. Ser mãe de uma criança especial me faz ouvir algumas vezes as seguintes frases: "Você é especial" ou "Somente pessoas especiais recebem esta missão". Sei que as intenções são carinhosas, mas essas palavras de "estímulo" sempre me causam desconforto, pois eu bem sei que nunca me preparei para esta tarefa, e ainda hoje não me sinto preparada.

Me pego muitas vezes impaciente e irritada com o trabalho que um filho com necessidades especiais requer. Os dias são agitados e a atenção é constante. Mesmo em locais fechados há as escadas rolantes, as portas de elevadores, tudo que a maioria das mães vê como ameaça por apenas uns dois anos. Para mim esta cautela já dura sete anos e não há prazo para acabar.

As noites insones são corriqueiras e quando há a felicidade de um sono ininterrupto de oito horas, durmo em estado de vigília, como se a qualquer momento o sonho vá acabar. Que ser especial sou eu? Sou somente uma mãe tentando fazer o meu melhor, proporcionando as vivências necessárias ao desenvolvimento de meu menino, e retribuindo o amor que ele se esforça tanto para expressar.

Desejos e a alegria da realidade

Às vezes sonho que ele não tem autismo. O mesmo garoto lindo, carismático e exigente, porém pedindo presentes, avisando sobre festinhas de colegas, convidando amigos para brincar, contando histórias de seu dia e outras imaginadas, perguntando sobre o mundo que o cerca. No entanto, me alegro quando vejo as pequenas descobertas e aquisições do meu garotinho, a execução de uma solicitação como alcançar os tênis, fechá-los, acender uma luz, abrir uma porta, tirar a roupa, dar um beijo. Coisas tão simples, mas que para uma mãe e um pai de uma criança autista são presentes que despertam a esperança de um futuro promissor.

Estímulo sempre!

Até onde ele vai chegar não sabemos, mas escolhemos a forma mais saudável, a da inclusão social, que requer enfrentamento diário de obstáculos, o convívio com crianças normais em uma escola regular, a descoberta de aptidões através do exercício físico e o estímulo cognitivo e emocional através de pessoas qualificadas e apaixonadas pela educação da criança especial.

Não existe uma fórmula de sucesso para o prognóstico favorável de crianças com autismo, mas acredito que existe um caminho de esperança: o da dedicação e do amor, ingredientes indispensáveis para o desenvolvimento pleno de qualquer indivíduo.


Silvia Sperling, mãe de Otávio, autista. Casada com Ubirajara. Nutricionista, colaboradora de publicações que tratam do tema Autismo e autora do blog "Autismo, uma vida em poucas palavras", onde compartilha suas experiências: http://www.autismo-umavidaempoucaspalavras.blogspot.com/
fonte:Silvia Sperling, http://estilo.br.msn.com/tempodemulher
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